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Heranças costumam causar, na maioria das vezes, discussões entre irmãos ou familiares próximos. É comum a falta de prevenção dos brasileiros para tratar de testamentos, divisão de bens em vida e outras formas de planejamento sucessório. Por isso muitos casos vão parar na Justiça após a morte de um familiar. Neste cenário, é preciso discutir os modos de colação e os critérios de avaliação de bens. A colação é o ato pelo qual o herdeiro informa, no inventário, o que recebeu de bens em vida antecipadamente pelo autor da herança.
É preciso atenção no momento de abertura da sucessão. A não aplicação do Enunciado 119 do Conselho da Justiça Federal (I Jornada de Direito Civil) nas sucessões ocorridas entre entre 11 de janeiro de 2003 e 18 março de 2016 viola o direito fundamental à igualdade entre os herdeiros. Isso porque o artigo 1.834 do Código Civil estabelece a regra da igualdade dos quinhões hereditários, ao fixar que “os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes”. Além disso, a Constituição Federal, em seu artigo 227, parágrafo 6º, veda o tratamento discriminatório dos filhos. É natural, portanto, a exigência infraconstitucional de colação. E é importante destacar a necessidade de uma interpretação extensiva de doação. Outras liberalidades, sobretudo as doações indiretas, também estão sujeitas à colação. A doação indireta e/ou dissimulada é aquela que se realiza formalmente por meio de outro negócio jurídico.
Para as sucessões abertas entre 11 de janeiro de 2003 e 18 março de 2016, aplica-se o Código Civil de 2002, que adotou como regra geral o modo de colação por imputação, nos termos dos artigos 2.002, 2.003 e 2.004. De acordo com o parágrafo único do artigo 2.003, a colação in natura tem lugar quando não houver, no patrimônio do de cujus, bens suficientes para igualar as “legítimas” — porção da herança reservada por lei aos herdeiros necessários (ascendentes ou descendentes), correspondente à metade dos bens do espólio — dos descendentes e do cônjuge. Ocorre, porém, que a equivocada opção legislativa foi combatida pela doutrina por meio do Enunciado n.º 119, da I Jornada de Direito Civil.
Vamos imaginar um caso hipotético, em que o autor da herança tinha cinco filhos e um patrimônio total de R$ 10 milhões em ações. Ainda em vida, em adiantamento de herança, doou a um de seus filhos ações que valiam, à época, R$ 2 milhões. Em complemento, imaginemos que: (i) o de cujus tenha falecido deixando um patrimônio de R$ 3 milhões; (ii) o herdeiro-donatário tenha permanecido como proprietário das ações doadas, que se valorizaram enormemente, até atingir o patamar de R$ 8 milhões, na data da abertura da sucessão. Caso adotada a colação em espécie, nos termos do Enunciado 119, todos os herdeiros necessários fruiriam da valorização das ações. Cada herdeiro teria quota hereditária equivalente a R$ 2,2 milhões. Nessa hipótese, os quinhões hereditários restariam aritmeticamente igualados. O princípio da igualdade das legítimas seria respeitado.
Façamos, porém, outra suposição, na qual o herdeiro-donatário, anos após a doação e ainda durante a vida do doador, tivesse alienado as ações no mercado por R$ 8 milhões de reais. Nesse caso, como o bem não mais pertence ao patrimônio do herdeiro-donatário, não poderia voltar em espécie ao acervo hereditário. Nos termos do artigo 2.003, parágrafo único, do Código Civil, o bem deveria ser colacionado pelo valor à época da doação feita pelo autor da herança. Assim, somente viria à colação o valor de R$ 2 milhões que, somados aos R$ 3 milhões remanescentes no acervo, gerariam quinhões individuais de R$ 1 milhão. Nesse caso hipotético, para igualar as legítimas dos outros 4 herdeiros, estaria o herdeiro-donatário obrigado a devolver ao acervo R$ 1 milhão, proveniente da diferença entre o que ele recebeu (R$ 2 milhões) e sua quota ideal (R$ 1 milhão). Todavia, na realidade, o benefício econômico por ele auferido com a doação não seria de apenas R$ 2 milhões, mas sim de R$ 8 milhões. Ou seja, na prática, ele enriqueceu R$ 7 milhões a mais do que os outros herdeiros.
Esse enriquecimento parece inconstitucional por violar a regra da igualdade entre os filhos. É inequívoco que a valorização do bem deve beneficiar o espólio e não apenas o herdeiro-donatário, individualmente. Por um dever de coerência, também a desvalorização do bem deve ser suportada integralmente pelo espólio, e não apenas pelo herdeiro-donatário.
Em 2015, após marchas e contramarchas na regulamentação da matéria, foi aprovado o novo Código de Processo Civil. O legislador optou novamente pelo modo de colação in natura. Após a citação no processo de inventário, deverá o herdeiro-donatário trazer à colação os bens que recebeu como adiantamento da legítima. Na hipótese de o bem não mais existir, é considerado seu valor na data da abertura da sucessão. Em síntese, a colação por estimação passou a ter caráter subsidiário. Quanto ao critério de apuração dos valores, deverá ser observado o valor dos bens ao tempo da abertura da sucessão e não mais o valor na data da liberalidade.
É importante ressaltar que as doações, regra geral, importam em adiantamento da legítima. O objetivo da colação é igualar as quotas hereditárias de cada herdeiro. Dois são os modos de colação: in natura e por imputação. Atualmente, o critério que deve ser utilizado para calcular o valor dos bens objeto da colação é o valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão. A doutrina entende que, caso o donatário não possua o bem doado, este será colacionado pelo valor do tempo de sua alienação, atualizado monetariamente. Finalmente, para as sucessões abertas entre 11 de janeiro de 2003 e 18 março de 2016, a colação será, a princípio, feita com base no valor que os bens possuírem ao tempo da abertura da sucessão, sob pena de violação do princípio da igualdade.
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