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O presente texto propõe-se ao estudo da conexão entre o Estado contemporâneo, a Administração pública e o Direito administrativo. Busca-se identificar as raízes históricas a fim de se compreender o atual cenário de transformações pelos quais passa o Estado brasileiro e que veio a afetar a administração pública e o direito administrativo. Não é possível compreender a evolução do direito administrativo sem a correta análise das transformações do quadro político-institucional e dos quadros científicos. Além disso, é preciso advogar o direito administrativo em termos da teoria democrática, em particular em prol da concretização dos direitos fundamentais.
O Estado é uma instituição criada pelos povos para cuidar da gestão da sociedade. É a instituição que detém o poder político para possibilitar a coexistência humana, servindo tanto para reprimir condutas anti-sociais quanto para promover condutas qualificadas como positivas para a comunidade. E para cumprir funções de interesse coletivo e de defesa dos interesses individuais, a sociedade – ou representantes da sociedade – promove a organização do poder político mediante instrumentos jurídicos. É claro que cada povo possui uma específica configuração estatal e um específico ordenamento jurídico. E, igualmente, cada povo sofre a influência, determinante ou relativa, de um dado modelo estatal, econômico e jurídico estrangeiro.
No período moderno, com a centralização do poder político, e com a emergência do capitalismo enquanto sistema econômico (em oposição ao sistema feudal e ao mercantilismo), configurou-se o Estado absoluto, cujos poderes estavam concentrados na figura do monarca, considerado o representante do direito divino aqui na terra. Não havia limites externos ao exercício do poder político, apenas o monarca é que estabelecia tais limites. Em um momento histórico subseqüente, aparece o Estado de Polícia. Buscou-se substituir o poder pessoal do monarca pelo poder estatal, cujo exercício é marcado pela laicidade, finalidade e racionalidade1. Portanto, no Estado de Polícia abre-se o espaço para o direito (limitação externa ao exercício do poder político), porém sua finalidade reside tão-somente em impor obrigações aos administrados a fim de garantir a ordem social. O direito é, nesse caso, um instrumento à disposição da vontade estatal. Chevallier explica que o Estado de Polícia fundamenta-se sobre a boa vontade do príncipe, não havendo verdadeiros limites jurídicos, nem verdadeira proteção aos cidadãos diante do poder2.
Com a ascensão social da burguesia, buscou-se a limitação dos poderes do soberano mediante a adoção de instituições tal como o Estado de Direito. Trata-se da fase histórica conhecida como Estado Liberal. A teoria liberal funda-se sobre a idéia de liberdade do indivíduo em face do Estado3. Embora o Estado seja uma manifestação da vontade dos indivíduos (que o criam por um pacto social), são necessárias regras para procedimentalizar o exercício de seu poder. Isso porque prevalece no pensamento liberal a idéia de que a “liberdade” e “poder” são valores antitéticos. À medida que se amplia a esfera de ação da liberdade diminui a extensão do poder político e, em sentido inverso, à medida que se estende o poder diminui-se a liberdade.4 Ao lado do espaço destinado ao Estado, é fundamental criar, igualmente, um campo reservado aos indivíduos. Tudo isso em razão do caráter negativo associado à idéia de poder político. A sociedade vê o Estado enquanto uma entidade estranha ao seu meio, visualizando o fenômeno do poder tão-somente na figura estatal e não no mercado5.
Mas, o modelo de Estado Liberal não foi capaz de dar conta das necessidades dos diversos grupos sociais. De fato, o Estado Liberal era um modelo que defendia a sua abstenção quanto a intervenções na sociedade e na economia. Suas funções limitavam-se à defesa da liberdade, da segurança e da propriedade6. Diante disso, diversos atores sociais iniciaram um processo de luta em busca de efetivação de direitos básicos necessários à sobrevivência. Daí a emergência do Estado Social ou Estado-Providência, um modelo que preconiza o oferecimento de prestações materiais à coletividade, utilizando inclusive como um dos seus instrumentos a intervenção na economia7.
O Estado que emergiu após o cenário da Segunda Guerra Mundial é uma fórmula de compromisso entre forças políticas que comungam ideologias diferentes. Uma leitura do problema pela teoria liberal é parcial, assim como uma leitura pela teoria marxista também é parcial. Mas, esse modelo de Estado contém um elemento anteriormente absorvido pelo Estado do século XIX, qual seja, o reconhecimento e a proteção dos direitos dos indivíduos, conforme explica Rosanvallon8. Houve um movimento histórico de alargamento dos direitos a fim de corrigir os efeitos de desintegração social até então existentes. Portanto, surgem, ao lado dos direitos civis e políticos, os direitos econômicos e sociais. Enfim, estende-se, também aos grupos sociais, direitos até então conferidos aos indivíduos. Mas, o preço a ser pago pelo fortalecimento da sociedade civil é o declínio da autoridade estatal e do monopólio do poder político. Ao lado da democracia representativa passou a valer com mais vigor mecanismos de democracia participativa9.
Enfim, a noção de Estado Democrático de Direito é uma fórmula de síntese que ocorre no processo histórico. É um modelo teórico que busca dar efetividade histórica aos valores da liberdade e igualdade, tendo como seu eixo axiológico a pessoa humana. É certo que ainda até hoje há uma enorme distância entre o modelo teórico e a práxis social. O projeto democrático está por ser feito junto à humanidade, e em particular em face da sociedade brasileira. O desafio é, portanto, transformar a realidade social em função do contexto normativo constitucional que, no final das contas, busca garantir a existência digna de todos e permitir a livre construção da personalidade.
A Constituição brasileira de 1988, fruto do processo de redemocratização de nosso país, estabelece o Estado Democrático de Direito10. É o que se depreende da intelecção de seu preâmbulo ao consagrar os direitos individuais e sociais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça enquanto valores de uma sociedade fraterna e plural. O Estado Democrático de Direito brasileiro decorre ainda de seus próprios fundamentos, estabelecidos pela Constituição Republicana, como: a soberania popular, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (art. 1º). Como igualmente decorre dos objetivos fixados pela Carta Magna que são os seguintes: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; a eliminação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem estar de todos (art. 3º)11.
Adota-se a democracia política caracterizada pela idéia que o poder político pertence ao povo que detém o poder de eleger, fiscalizar e destituir seus governantes, bem como o poder de editar leis mediante seus representantes. A democracia associa-se à noção de um procedimento voltado para assegurar a possibilidade do maior número e diversidade de opiniões e de informações, garantindo-se a livre formação da opinião pública. Mas, o princípio majoritário é contrabalançado pela proteção às minorias. A esfera pública não se limita ao Parlamento, ao contrário ela permeia toda a estrutura social12. Adota-se a democracia econômica caracterizada pela idéia de que o sistema econômico não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para propiciar a vida digna para todos. Reconhece-se o valor constitucional da livre iniciativa, mas ao mesmo tempo atribui-se ao Estado o papel de atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, este imperativo para o setor público e indicativo para o setor privado. Adota-se, também, a democracia socialconsistente no pluralismo de indivíduos e grupos sociais diferentes, sendo que alguns carecem de forte proteção estatal, mediante o oferecimento de prestações materiais para a satisfação de suas necessidades. De fato, cabe ao Estado a intervenção protetora contra a pobreza e, igualmente, à sociedade, essa em função do princípio da solidariedade social. Extrai-se também a noção de democracia administrativa com o sentido de uma administração pública aberta à participação da cidadania, escutando-se suas vozes e necessidades13. A função administrativa direciona-se à proteção e concretização dos direitos fundamentais civis, sociais e econômicos. De fato, na década de 60 do século passado, emergiu a noção de democracia administrativa a fim de dar conta da disparidade entre discurso político e ação da administração pública, buscando-se a aplicação da noção de democracia ao modo de exercício do poder14.
Além disso, a Constituição, ao tratar da organização política e logo após reconhecer a soberania popular, estabelece que são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Em outro dispositivo, a Constituição, ao tratar das cláusulas pétreas, emprega a expressão separação dos poderes (art. 60, §4º, IV). É necessário, portanto, uma interpretação constitucional que não se prenda à literalidade da expressão “separação de poderes”. Ao contrário, é preciso priorizar a noção de equilíbrio que exige a repartição de funções entre os diversos poderes. Ademais, a interpretação do princípio não pode se adstringir às suas origens históricas, mas deve interpretado tendo em vista sua aplicação no atual contexto histórico do Estado brasileiro15.
E como uma das garantias fundamentais a Constituição estabelece o princípio da legalidade16. Sobre isso, José Afonso da Silva esclarece:
“É precisamente no Estado Democrático de Direito que se ressalta a relevância da lei, pois ele não pode ficar limitado a um conceito de lei, como o que imperou no Estado de Direito clássico. Pois ele tem que estar em condições de realizar, mediante lei, intervenções que impliquem diretamente uma alteração na situação da comunidade. Significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem”17.
Para a doutrina contemporânea, a Constituição adota um conceito formal de lei. Apesar disso, reconhece-se que a lei está vinculada aos princípios e valores fundamentais catalogados na própria Constituição. Quer dizer, a lei é uma medida de execução da Constituição, de seus princípios e valores fundamentais; concebe-se a atividade legislativa como exercício discricionário de competência, contudo, vinculada aos preceitos constitucionais18.
É fundamental notar que as regras que outorgam competências estatais não podem ser interpretadas isoladamente no texto constitucional, em particular quando em confronto com normas que tratam de direitos e liberdades fundamentais. Ao contrário, a interpretação requer a conjugação das regras de competência em face dos princípios constitucionais, em particular o princípio da separação de poderes, o princípio da legalidade e o princípio do Estado Democrático de Direito. Tais princípios, apesar da elevada carga de abstração e generalidade, funcionam como bitolas para a correta interpretação das referidas regras constitucionais. O princípio da unidade do texto constitucional exige do intérprete a conciliação entre regras aparentemente contraditórias. É preciso buscar a harmonização e a coerência na interpretação constitucional sob pena de esfacelamento da força normativa da Constituição19.
No contexto do Estado contemporâneo, emerge um novo modelo de administração pública. A Constituição brasileira vincula a administração pública a uma nova concepção de legalidade; não mais uma legalidade restrita à lei formal, mas a sua respectiva vinculação aos preceitos fundamentais do ordenamento jurídico. Tais preceitos consistem em valores, bens, princípios e regras constitucionais que vinculam positivamente e negativamente o exercício da função administrativa20.
Para a professora Odete Medauar, no passado (século XIX), não se cogitava da figura da Administração Pública quando da discussão em torno da concepção clássica de separação de poderes. Tratava-se de uma idéia implícita que se encontrava dentro do Poder Executivo. Vigorava na época o princípio da hierarquia enquanto modelo de organização do Estado. Tal princípio refletia as idéias de sujeito superior que emana ordens e de um sujeito inferior que deve obedecer essas mesmas ordens. Em razão do princípio hierárquico, prevalecia também a idéia de centralização administrativa. Tal modelo de organização administrativa correspondia à necessidade de consolidação do poder político. Havia um fechamento comunicativo da administração pública em face de todos os outros poderes, bem como diante da sociedade civil. O cidadão não era tratado como cidadão, mas como um súdito, um administrado21.
E, ainda prossegue a autora, no século XX novas atribuições foram conferidas à administração pública em razão da redefinição de funções ao Estado. A expansão se deu tanto em termos de estrutura (criação de novos entes administrativos, alguns inclusive com personalidade de direito privado) quanto em termos de atividade (novas atividades econômicas e sociais assumidas pela administração pública). Para descrever esse cenário de mudanças da administração pública é interessante se valer de imagens simbólicas: originariamente, tratava-se de uma pirâmide onde, a partir de um centro de poder político, emanavam ordens para a burocracia; depois – emerge a idéia de uma rede de pirâmides onde a partir de vários centros de poder político as referidas ordens eram emanadas22.
Segundo a professora Odete Medauar, na década 80 do século passado, a tendência, para a administração pública, consistiu na maior proximidade com a comunidade, o predomínio da transparência ao invés do segredo, a transferência para particulares de atividades desempenhadas pelo poder público, a utilização do direito privado, diminuição do exercício do poder de império, utilização de convenções e contratos para a solução de problemas, aumento do controle pelo resultado, desregulamentação e desenvolvimento das atividades sob a forma policêntrica23. Por outro lado, a administração pública nas duas últimas décadas encontra-se no contexto de um movimento amplo de reforma dos Estados nacionais que buscou a promoção da liberdade econômica dos mercados mediante a desregulação e privatização. Do ponto de vista estrutural, em face do movimento de privatização, surgiram órgãos reguladores tanto de atividades de mercado quanto de serviços públicos. Igualmente, os órgãos colegiados passaram a contar com maior presença de representantes da sociedade civil. Do ponto de vista das atividades ou do funcionamento da administração pública, houve a expansão do número de atividades prestadas, sendo que, embora tenha havido a delegação da prestação para a iniciativa privada, a administração pública ficou responsável pela fiscalização do desempenho24.
Uma questão problemática, ainda não totalmente resolvida pela doutrina, consiste na relação entre a administração pública e o governo, em particular dos limites dessas funções estatais. De um lado, tem-se a autonomia da administração pública em face do governo; mas de outro lado tem-se a subordinação da administração pública em face do governo. Não é fácil a distinção entre função administrativa e função política. Com efeito, o Chefe do Poder Executivo detém um mandato de representação popular graças ao processo eleitoral. Assim, ele tem o dever-poder de concretizar os interesses públicos contidos na Constituição e na legislação. Mas, as decisões são executadas pelo aparelho estatal encarregado do exercício da função administrativa. E os membros do governo são destituídos se não forem reeleitos, enquanto os funcionários de carreira permanecem em função de sua estabilidade25.
Para Fernando Garrido Falla os princípios da neutralidade política da administração e da neutralidade administrativa do governo devem ser equilibrados pela noção de eficácia indiferente, cujo sentido é de desenvolvimento da ação administrativa eficaz tanto se prejudica quanto se favorece a política do partido que está no poder. Em outras palavras, advoga-se a indiferença no processo de tomada de decisões administrativas em face da política do partido governante26.
Em que pese respeitável opinião, discorda-se do autor. É que a administração pública não deve ser indiferente à política do partido governista. Ao contrário, ela deve considerá-la em face de outros interesses envolvidos, sejam os interesses dos outros partidos oposicionistas, seja em face de outros interesses da comunidade. Quer queira ou não, a política do partido ou da aliança partidária governista foi eleita pelo voto popular. Deve-se assegurar um procedimento aberto, legal e plural voltado às diversas expressões das diversas forças sociais. Apesar de toda a crise de identidade e de programas em que estão envolvidos os partidos políticos brasileiros, não é possível a mera negação da política partidária do partido ou da aliança governante27. O princípio constitucional da impessoalidade que rege a administração pública pode sim ser respeitado mediante a devida consideração das pessoas partidárias, mas também dos interesses das pessoas e grupos que estão fora do processo partidário. Tudo isso é uma exigência da garantia constitucional do pluralismo político que não pode ser ignorada.
O Direito Administrativo é um dos ramos jurídicos não-sistematizado que não se sujeitou a um processo de codificação tal como ocorreu com o direito civil. É o campo por excelência para a legislação contingente e ocasional. A sistematização do direito administrativo deve – e muito – ao trabalho da doutrina. Ocorre que a doutrina, ao se debruçar sobre uma legislação provisória e fragmentária, teve que estabelecer ferramentas adequadas para a análise do fenômeno jurídico. Daí a explicação para a incorporação dos princípios gerais do direito no âmbito do direito administrativo. Tais princípios não afetaram tão-somente o direito administrativo, mas o ordenamento jurídico global. Tais princípios foram também incorporados nos textos das legislações, como também adotados pela jurisprudência. Trata-se de um esforço de superação do positivismo jurídico, porém sem abandonar a positividade do Direito, no dizer de Forsthoff28. Mas, ao contrário do sistema europeu, aqui os princípios não foram incorporados ao ordenamento jurídico mediante o trabalho da jurisprudência, mas sim pelo trabalho da doutrina29. E a superação do positivismo legalista concretiza-se com o constitucionalismo moderno, em particular quando se abre a possibilidade de limitação dos poderes do legislador mediante a adoção de mecanismos de controle da constitucionalidade das leis30.
A autonomia científica do direito administrativo é dada pela existência de uma metodologia, por princípios, conceitos e categorias próprias. Seu objeto consiste em normas jurídicas, conceitos e instituições que disciplinam o exercício da função administrativa pela administração pública31. Historicamente, o direito administrativo se serviu do direito civil a fim de conquistar sua autonomia, mas atualmente é ele quem fornece novos parâmetros para o direito civil32. Mas, a administração pública pode ser, em certas hipóteses, disciplinada pelo direito privado. Daí porque a doutrina distingue entre o direito da administração pública (que pode incluir o direito administrativo e o direito privado) e o direito administrativo33.
Uma das noções-chave para a construção do direito administrativo consiste no interesse público. Com a separação entre Estado e sociedade, aparece uma noção histórica de interesse público fundada em oposição ao interesse privado. Postula-se a prevalência do público sobre o particular. A reflexão sobre a evolução histórica do direito administrativo revela o permanente conflito entre autoridade e liberdade, binômio esse que configura todo o direito administrativo. Segundo Norberto Bobbio o interesse público:
“se funda sobre a contraposição do interesse coletivo ao interesse individual e sobre a necessária subordinação, até eventual supressão, do segundo pelo primeiro, bem como sobre a irredutibilidade do bem comum à soma dos bens individuais, e portanto sobre a crítica de uma das teses mais correntes do utilitarismo elementar”34.
É certo que, em casos-limite, é possível o sacrifício do interesse individual em função do interesse coletivo. Mas, exatamente em razão do maior peso ao sacrifício do direito, é fundamental exigir-se a devida justificação para que a medida possa ser implementada no contexto do Estado Democrático de Direito. É preciso que o velho princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular sofra um processo de interpretação conforme a Constituição, a fim de que as garantias individuais e sociais não sejam desconsideradas35. A idéia de oposição entre interesse público e privado há de ser substituída pela idéia de complementaridade. Ambos constituem-se em bens igualmente protegidos pelo ordenamento jurídico. Na hipótese de conflitos entre eles a solução será dada pelo método da ponderação.
A professora Odete Medauar esclarece:
“A noção de interesse público aparece, ao mesmo tempo, como fundamento, limite e instrumento do poder; configura medida e finalidade da função administrativa. Já foi utilizada no direito francês como critério de caracterização do direito administrativo. Subjacente o grande número de institutos do direito administrativo, apresenta-se como suporte e legitimação de atos e medidas no âmbito da Administração sobressaindo com freqüência nos temas do motivo e fim dos atos administrativos.
O tema emerge também ao se estudar a grande dicotomia público-privado, pois tradicionalmente se arrola o interesse público como critério de diferenciação. E surgiu o princípio da primazia do interesse público”.36
A dogmática de direito administrativo ao tratar do interesse público deve entender que se trata de uma questão zetética, não se trata de um conceito fechado que simplesmente se deduz da Constituição ou da legislação. O que importa é a reflexão em torno do discurso sobre o interesse público, em particular a ênfase no aspecto dialógico e não monológico (aquele.discurso tradicionalmente encampado pela administração pública). Daí a abertura para a observação da pluralidade dos interesses públicos abandonando-se o modelo tradicional de caráter singular. Deve-se controlar o discurso em torno do interesse público mediante o próprio discurso, isto é, assegurando-se a devida discussão em torno da noção – discutir o discurso sobre o interesse público37.
Atualmente, não se pode reduzir a compreensão do interesse público ao interesse estatal. O interesse público é uma expressão que designa diversos interesses coletivos e sociais, e até individuais. A administração pública não detém o monopólio de definir o interesse público de forma unilateral, ao contrário, ele deve ser definido em um processo dialético que garanta a expressão dos diversos interesses. Daí a importância da participação da cidadania nas relações jurídico-administrativas desencadeadas pela administração pública38.
Por outro lado, a concepção clássica atribui ao direito constitucional o estudo da parte anatômica do Estado, enquanto o direito administrativo assiste o estudo da parte funcional do Estado, mediante a ação da administração pública, no dizer de Santi Romano. Mas, segundo o referido autor, o direito constitucional não é um ramo do direito público, mas é o próprio tronco do direito público39. Hoje, a concepção de Constituição e de direito constitucional é mais extensiva do que aquela vigente no período clássico que promovia o tratamento unitário para as duas disciplinas. É o que esclarece, a partir das lições de José Afonso da Silva e de Pellegrino Rossi, a professora Odete Medauar:
“Assim, o objeto específico do direito constitucional encontra-se na Constituição, no duplo aspecto de norma constitutiva básica dos poderes públicos e de norma fundamental de todo o ordenamento; essa dupla dimensão leva a identificar alguns preceitos como objeto ao mesmo tempo do direito constitucional e de outros setores jurídicos, cuja delimitação parte de ângulo diferente. Por sua vez, o direito administrativo, por tratar primordialmente da organização, meios, formas e relações jurídicas da Administração Pública, um dos campos de atuação estatal mantém vínculos muito estreitos com o direito constitucional”40.
Como se sabe, a autonomia científica do direito administrativo em face do Direito do Estado foi iniciada no século XIX. Os doutrinadores procuraram identificar os critérios que possibilitariam a construção do verdadeiro objeto do direito administrativo, sendo que hoje é indiscutível a existência de bases constitucionais do direito administrativo. Para os objetivos do presente trabalho, é inegável a valorização da constituição administrativa ou a leitura administrativa da constituição, como apregoam Allegretti e Martin-Retortillo41. Agora, em razão do contexto europeu, vem sendo relativizada a conexão entre direito administrativo e Constituição, em particular em face da influência do direito comunitário sobre o direito administrativo de cada um dos países europeus42.
O desafio teórico deve ser enfrentado a partir de uma metodologia interdisciplinar que privilegie o direito administrativo, mas que também leva em consideração a análise de estudos provenientes de outros saberes43. Nesse sentido, não se pode esquecer que o direito administrativo é um subsistema jurídico que se relaciona com os demais subsistemas jurídicos e demais sistemas social, político, econômico e cultural. Trata-se, no entanto, de um subsistema aberto aos dados de outros sistemas, há uma abertura cognitiva para a recepção de informações de outros lugares sem que perca sua capacidade de auto-reprodução44.
As transformações ocorridas com o Estado brasileiro nos últimos tempos não diminuem a importância do direito administrativo. Apesar de todo o movimento de redução do papel do Estado na economia em função da internacionalização dos mercados e dos movimentos de privatização, o direito administrativo não está à margem do processo histórico. Não há como simplesmente advogar a tese do mercado livre, que oferece a auto-regulação de seus conflitos intrínsecos, em face de nossa Constituição. A experiência histórica demonstra que o direito não é um mero instrumento à disposição exclusiva do sistema econômico capitalista. O direito é um bem da sociedade que não é dominável por apenas um grupo de atores sociais, ainda que possa sofrer uma influência significativa. Não é possível ao mercado afastar o Estado e o Direito. Ao contrário, ambos têm a fundamental missão de atuar de forma substitutiva e compensatória aos mecanismos de mercado. É preciso o equilíbrio entre os sistemas político, econômico e jurídico45. É inegável a influência do ordenamento jurídico global sobre o direito administrativo brasileiro46. No entanto, o desembarque dos modelos internacionais não pode ser feito em território brasileiro sem o pensar crítico calcado nas raízes nacionais. Há de ser feita a crítica aos discursos jurídicos, políticos e econômicos que não considerem a normatividade constitucional47.
É, o caso, por exemplo, da noção de serviço público. Há tempos foi apontada a crise da noção de serviço público em face da dificuldade em se apontar o critério de identificação do que seja efetivamente um serviço público em contraposição aos serviços privados, tendo em vista o processo de intervenção estatal na economia. A tradição doutrinária brasileira adota um conceito de serviço público, fundada nos critérios: subjetivo, objetivo e formal. Entretanto, a Constituição não adota um conceito de serviço público, apenas faz, genericamente, referência à competência estatal para organizar e prestar serviços públicos. Desse modo, não é possível extrair do texto constitucional a intenção normativa no sentido de que todo e qualquer serviço seja público. É certo que existe a discricionariedade legislativa quanto à qualificação de certas atividades econômicas em sentido estrito. Ocorre que essa discricionariedade legislativa é relativa, pois o legislador está vinculado aos pressupostos constitucionais, em especial o regime de direitos fundamentais. A experiência estrangeira revela que a adoção da técnica de serviço público, fundada na titularidade estatal, não é, em todos os casos, compatível com o sistema de direitos fundamentais48. Mas, as novas noções estrangeiras devem ser adaptadas à experiência histórica brasileira sob pena de termos um retrocesso histórico em termos constitucionais e sociais.
O direito administrativo está dentro do contexto histórico, razão pela qual é preciso investigar suas raízes e adaptá-lo aos novos tempos de regulação do mercado e da sociedade. É preciso pensar o direito administrativo a partir de um método tópico-sistemático que leve em consideração o singular e o total49. Diante disso, os seus princípios, as suas categorias e os seus conceitos clássicos não morreram, mas devem ser desenvolvidos e adaptados à nossa realidade. Ademais, novos temas estão ingressando no direito administrativo, daí todo o esforço que deve ter o intérprete em sua tarefa de “tropicalizar” os modelos estrangeiros respeitando a cultura jurídica nacional e levando em consideração as necessidades sociais50.
Agora, ao final, é importante fazer a conexão entre direito administrativo e democracia, em particular apontar os rumos para um direito administrativo de vanguarda dedicado à proteção e à concretização dos direitos fundamentais em nosso país. Com o surgimento da democracia representativa (democracia sob o regime dos partidos políticos) houve a separação entre a titularidade e o exercício do poder. Com isso, houve a redução da democracia ao processo eleitoral. Portanto, a legitimidade democrática em sua integralidade será tão-somente alcançada mediante a participação popular no Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), inclusive Ministério Público, na sociedade e no mercado, bem como, em particular, na esfera de comunicação social51.
E essa participação só será efetiva mediante a difusão em larga escala de educação e informação para os indivíduos e grupos sociais; trata-se de um pressuposto material para o alargamento da democracia substancial em nosso país. A questão da legitimidade democrática é, portanto, basicamente, um problema de controle dos titulares do poder e dos meios para se evitar abusos de poder; o que justificou a emergência do direito administrativo. Não existem condições históricas e materiais para a implantação de uma democracia direta; essa modalidade de democracia é mais um projeto utópico que um programa específico a ser alcançado nas sociedades complexas da atualidade. O que existe é a democracia possível, isto é, uma democracia que se defende e que avança no sentido de construção do bem-estar de uma população, mediante o aperfeiçoamento das regras do jogo político e das instituições, que una os mecanismos tradicionais da democracia representativa com os mecanismos da democracia direta52.
A democracia pressupõe a dignidade da política, isto é, de uma ação coletiva dirigida a um projeto comum. É evidente que o projeto comum deve ser discutido e aprovado por todos os cidadãos, ou, ao menos, submetido ao princípio majoritário com respeito às minorias discordantes. É preciso resgatar a democracia em termos republicanos, ou seja, a prática de autodeterminação de cidadãos em direção ao bem comum, a partir do reconhecimento e respeito mútuos. A integração social se faz mediante mecanismos de solidariedade garantidos pela esfera pública. É preciso que a esfera pública seja constituída pela participação dos cidadãos onde se possa de uma maneira livre e discursiva permitir a construção e a difusão de opiniões e de vontades esclarecidas em prol da comunidade. E, em tudo isso, há um enorme espaço para o direito administrativo para cercar a atuação da administração pública e, assim, fazer valer as tarefas constitucionais impostas ao Estado brasileiro.
1SCHIERA, Pierangelo. Verso lo Stato pos-moderno (1976). In: RUFFILI, Roberto (Org.). Crisi dello Stato e storiografia contemporanea. Bolonha: Il Mulino, 1979. Obra citada por MEDAUAR, Odete. Direito administrativo em evolução. 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 79
2 CHEVALLIER, Jacques. L`État de droit. 4º édition. Paris: Montchrestien.2003, p. 18.
3 Destaque-se que o indivíduo é uma concepção moderna, pois os antigos não concebiam o indivíduo como uma pessoa dotada de vontade e liberdade.
4 BOBBIO. Norberto. Liberalismo e Democracia, 6ª ed., Brasiliense, São Paulo/SP, 1994, p. 20.
5 Para Chevallier a teoria do Estado de Direito ocasiona a submissão da administração pública a regras exteriores e superiores que lhe determinam os meios disponíveis à sua atuação, inclusive garante-se aos administrados meios para impugnar os atos da administração pública, mediante a instituição de uma jurisdição. Conferir: L`État de droit, p. 19.
6 Direito administrativo em evolução, p. 80.
7 Para uma interessante visão do Estado-providência brasileiro nas primeiras décadas do século passado, em particular as discussões em torno do processo de intervenção do Estado na economia conferir: BOSI, Alfredo.Dialética da Colonização. 3ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, p. 273-307.
8 La crise de l´État-providence, . 2 ed., Paris: Ed. du Seuil, 1987, p. 149-150.
9 A concepção de Estado de Direito liberal não se confunde com a teoria democrática, pois mesmo em Estados Liberais não houve a concretização efetiva de democracia política.
10 Muitas críticas são feitas ao nosso modelo constitucional – algumas acertadas, mas a maioria é equivocada, inclusive a Constituição brasileira sofre um processo constante de emendas constitucionais provenientes das conjecturas políticas momentâneas. Só quem não conhece a normatividade constitucional em sua integralidade é que promove discursos agressivos contra a Constituição. Mas, mais do que mudar a Constituição é fundamental respeitar a sua normatividade, o que infelizmente não tem sido feito pelo Estado brasileiro. É preciso o estabelecimento de um projeto de país que transcenda o governo de plantão, um projeto que alcance não só a atual geração, mas também as gerações futuras, dedicado à efetivação dos direitos fundamentais civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.
11 Deve-se salientar que o eixo central da Constituição e de todo o ordenamento jurídico brasileiro é o princípio da dignidade humana. É a partir desse princípio constitucional que todas as demais normas jurídicas devem ser interpretadas. É a partir dele que o quadro constitucional de competências estatais deve estar voltado para a maximização na realidade social dos direitos fundamentais.
12 Segundo Habermas: “A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões”. Ainda, segundo ele o conceito moderno de sociedade civil inclui em seu núcleo significativo as associações e organizações livres, excluindo-se entidades estatais e as instituições integrantes do mercado, Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 92.
13AUBY, Jean-Bernard. La bataille de San Romano. L´actualité juridique – Droit administratif, nov. 2001, p. 914, obra citada por MEDAUAR. Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 235.
14 Rivero. Jean. A propos des métamorphoses de l´Administration d´aujourd´hui: democratie et Administration. Pages de doctrine, vol. I, p. 253-264 (publicado em 1965, em Mélanges offerts à René Savatier).
15De fato, a realidade constitucional moderna exige uma nova interpretação do princípio da separação de poderes, em particular em face da atividade legislativa desempenhada pelo Poder Executivo. Também, em função de novas instituições como é o caso das agências reguladoras e do novo papel constitucional atribuído ao Ministério Público. Sobre o Ministério Público conferir: FERRARI, Eduardo Reale. O Ministério público e a separação de poderes. Revista brasileira de Ciências Criminais nº 14, p. 141-148.
16 CF: “Art. 5º. (…)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”;
17 Curso de direito constitucional positivo, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 125
18 CLÉVE, Clèmerson Merlin. A atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 68-9.
19 Parte-se do pressuposto que o pilar moderno de sustentação do direito administrativo brasileiro é dado pela Constituição brasileira de 1988 que rompeu com o passado autoritário e inaugurou um novo ciclo democrático em nosso país. Nesse sentido, a interpretação do direito administrativo há de sofrer um processo de filtragem constitucional, a fim de que velhos institutos administrativos evoluam e se adaptem à nova realidade constitucional. Daí a explicação à ênfase que o presente trabalho dá ao texto, ao contexto e à realidade constitucional.
20 Segundo Chevallier a crise em torno do princípio da legalidade foi atenuada em função da adoção de uma concepção ampliada de legalidade e pela intensificação do controle judicial da Administração, verificando o respeito às garantias constitucionais e aos direitos fundamentais. Vers un droit post-moderne? Les transformations de la regulation juridique. Revue du droit public, vol. 3, p. 683, 1998.
21 Medauar, Odete. Direito administrativo em evolução. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 124-5. Segundo a autora: “A organização administrativa apresentava-se como unitária, uniforme, monocrática, centralizada; a centralização, que acentuava tendência do Estado absolutista, em muitos Estados europeus tinha justificativa na necessidade de consolidação do poder político”.
22Conferir: Medauar, p. 127-131. Wolf. Fundamentos del derecho de prestaciones. Perspectivas Del derecho público en la segunda mitad Del siglo XX. Madrid, 1969, vol. V, p. 351-382. Obra citada por Medauar, Odette, p. 127.
23 Conferir: Medauar, Odete, p. 129-131. Segundo Crozier: “porque o sistema administrativo público tornou-se muito importante, porque sua eficácia condiciona o desenvolvimento de toda a sociedade, a Administração deve mudar de prática e de filosofia; pode-se tolerar num Estado arcaico limitado certas disfunções e rotinas, mas estas se tornam insuportáveis num Estado moderno”. État modeste, État moderne, 1989, p. 73. Citado por Medauar, p. 129.
24 Medauar, Odete, p. 135.
25Conforme Nigro: “os problemas da relação entre exigência de dependência política da Administração e exigência de autocefalia (e auto-responsabilidade) vinculam-se aos problemas da relação entre centralização e pluralismo, questões essas de fundamental importância no Estado contemporâneo, ao se buscar a aderência da organização administrativa às instâncias da sociedade e ao rápido e caleidoscópico desenvolvimento desta”. La pubblica amministrazione tra costituzione formale e materiale. Riv. Trim. Dir. Pub., p. 163-171, mar. 1981, obra citada por Medauar, Odete, p. 142.
26 FALLA, Fernando Garrido. Tratado de derecho administrativo. Vol. I, Parte General. Undecima Edicion Madrid: Tecnos, 1989, p. 62.
27Aqui, é digno de menção honrosa o pensamento de Hannah Arendt. Segundo ela o consenso advém da constatação que o homem não pode agir sozinho, de forma isolada, ao contrário, se os homens querem alcançar algo no mundo eles devem agir em conjunto. E a ação coletiva dos homens no mundo não se confunde com a atividade invisível do diálogo do eu consigo mesmo característico do pensar. Nesse contexto, é que a autora situa a política como uma atividade de natureza coletiva voltada à realização do bem comum, isto é, de direcionamento da coletividade mediante o diálogo para um caminho compartilhado em um horizonte de tempo para além de uma geração. A autora ensina que o pensar, à medida que se desliga do mundo das aparências e busca o significado das coisas, é fundamental para a democracia. O não-pensar ocasiona graves riscos do ponto de vista político com a emergência dos sistemas totalitários. Nesse sentido, o positivismo jurídico ao se aferrar exclusivamente à forma da norma jurídica, não problematizando o seu conteúdo; e com isso construindo questões dogmáticas para possibilitar decisões jurídicas, acaba por impedir a discussão de questões zetéticas, isto é, de discutir as premissas que fundam a série argumentativa que culmina na decisão. Conferir: LAFER, Celso. A trajetória de Hannah Arendt. In Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. 2ª ed., São Paulo: Paz e Terra, 2003; A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, Reflexões de um antigo aluno de Hannah Arendt sobre o conteúdo, a recepção e o legado de sua obra, no 25º aniversário de sua morte. InHannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. 2ª ed., São Paulo: Paz e Terra, 2003.
28 Citado por ENTERRÍA, Eduardo García. Reflexiones sobre la ley y los princípios generales del derecho. Madrid: Editorial Civitas, p. 51
29 Eduardo Enterría explica que o campo do direito administrativo é o campo mais fértil para a proliferação de uma legislação contingente e ocasional, daí a justificação para a dificuldade de sua sistematização. Vide: Reflexiones sobre la ley e los princípios generales del derecho. Madrid: Editorial Civitas, 1984, p. 37.
30 ENTERRÍA, Eduardo García, p. 51.
31 Para Clèmerson Merlín Clève o direito administrativo: “é o conjunto de princípios, leis, usos e costumes, que regulam o exercício, pelo poder público, da função administrativa, entendida esta segundo o critério pluridimensional orgânico-material-formal”. In Elementos para um discurso de conceituação do direito administrativo. Campinas: SP, 1988, p. 70.
32 CASTRO, Sonia Rabello de. A autonomia do direito administrativo como disciplina jurídica: reflexões sobre sua metodologia. In Estudos em homenagem ao Prof. Caio Tácito (Organizado por Carlos Alberto Menezes Direito). Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 691-709. O direito administrativo brasileiro sofreu forte influência do direito europeu e do direito norte-americano. Em particular, o direito francês contribuiu com os conceitos de serviço público, a teoria dos atos administrativos, a da responsabilidade civil do Estado, a submissão da Administração Pública ao princípio da legalidade, a teoria dos contratos administrativos, a concessão de serviço público, e a de regime jurídico-administrativo derrogatório do direito comum. Por sua vez, o direito alemão ofereceu sua contribuição com os conceitos jurídicos indeterminados relativos à temática da discricionariedade administrativa. Além disso, o direito norte-americano trouxe o sistema de jurisdição una, bem como incrementou o controle judicial sobre a ação administrativa, mais os princípios do devido processo legal e da razoabilidade. Hoje, a temática das agências reguladoras sofre forte influência do direito norte-americano. Conferir: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.500 Anos de Direito administrativo brasileiro. Revista Diálogo Jurídico nº 10 – janeiro de 2002, Salvador. Fonte consultada em: www.direitopublico.com.br.
33 Conferir R. CHAPUS, Droit administratif general, tome I, 11º ed., Montchrestien, Paris, p.1. Rappr. C. EISENMANN, “Le droit applicable à l´Administration” in Cours de droit administratif, tome I, Paris, LGDJ, 1982, p. 527 et s. Os autores são citados por TEBOUL, Gerard. Droit administratif et droit international. Revue du droit public et de la science politique en france et a l´étranger nº 4 – 1998. Paris, LGDJ, p. 979.
34 Estado, governo e sociedade, p. 24.
35 Conferir: ÁVILA, Humberto Bergaman. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. O direito público em tempos de crise. Porto Alegre, 1999, p. 99-127. OSÓRIO, Fábio Medina. Existe uma supremacia do interesse público sobre o particular no direito administrativo brasileiro? RDA 220/69-107, 2000.
36 O direito administrativo em evolução, p. 185-6.
37 É certo que não é possível explicar o direito administrativo a partir de uma única categoria. Já no passado buscou-se explicar o direito administrativo a partir da noção de serviço público. Mas, em função da crise vivida pelos serviços públicos, buscou-se substituí-la pela noção interesse geral. Em uma perspectiva metodológica adequada, deve-se buscar a explicação a partir de vários critérios-chave. É a partir de uma visão plural que consegue compreender o direito administrativo em sua totalidade. Conferir: RIVERO, Jean e WALINE, Jean. Droit administratif. 19ª édition. Paris: Éditions Dalloz, 2002, p. 20-24. Para a compreensão das questões zetéticas em face das questões dogmáticas conferir: FERRAZ JÚNIOR, Tércio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 44-52.
38 E aqui é um dos núcleos principais de garantia aos direitos fundamentais é a processualidade do exercício das funções estatais. Conferir: Medauar, Odete. A processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
39Principi di diritto ammnistrativo. 3. ed. Milano: Società Editrice Libraria, 1912, p. 7-10.
40 Direito administrativo em evolução, p. 162.
41 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução, p. 163.
42 Obra citada acima, p. 162-3. Em razão da não ratificação pela França da Constituição européia a questão tomará novos rumos até então incertos.
43 Parte-se aqui da premissa que o direito não é apenas uma ciência, mas também técnica destinada à solução de conflitos. Portanto, não só o caráter dogmático que deve ser analisado, mas também o caráter zetético, conforme lições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior.
44 Segundo Tércio Sampaio Ferraz Júnior: ”O sistema normativo jurídico é do tipo aberto, estando em relação de importação e exportação de informações com outros sistemas (o dos conflitos sociais, políticos, religiosos, etc.), sendo ele próprio parte do subsistema jurídico (que não se reduz a normas, mas incorporar outros modos discursivos)”. Obra citada, p. 141-142.
45 Eros Roberto Grau afirma: “O capitalismo – repita-se – reclama não o afastamento do Estado dos mercados, mas sim a atuação estatal, reguladora, a serviço dos interesses do mercado. Essa é, sem dúvida, uma afirmação historicamente comprovada”. Conferir: O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 97.
46 Conferir: CASSESE, Sabino. Lo spazio giuridico globale. Rivista trimestrale di diritto pubblico, 2002, p. 323-339. Digno de nota é o fato de o Brasil adotar os comentários e os esclarecimentos produzidos no âmbito da OCDE como base para a elaboração de sua legislação em temas específicos, tais como: os comentários do Comitê de Política Fiscal sobre preço de transferência e esclarecimentos sobre práticas de conduta de laboratórios baixados pelo Comitê de Políticas do Meio Ambiente. O Brasil aderiu formalmente às diretrizes da OCDE sobre empresas multinacionais (2000) e pode vir a aderir, formalmente, à declaração sobre a formação de cartéis. Vide PINTO, Denis Fontes de Souza. OCDE: uma visão brasileira. Instituto Rio Branco. Fundação Alexandre de Gusmão. Brasília – DF, 2000, p. 32-33.
47 E ainda Eros Roberto Grau: “A História ensina que nada é irreversível. O cotidiano nos dá provas de que apenas os que já não pensam são proprietários de certezas. Cumpre nos mantenhamos na expectativa dos efeitos que a prática da teoria produzirá”. Obra citada, p. 95.
48 No Brasil, tal como em outros países europeus, há uma mudança radical no que tange ao regime de prestação dos serviços públicos. Vide, por exemplo, o setor de telecomunicações no qual admite-se a coexistência do regime público e privado. O legislador não declarou em bloco todo o setor de telecomunicações como sendo da alçada dos serviços públicos; ao contrário, ele reservou alguns serviços de telecomunicações no âmbito do regime privado, isto é, sujeito a mecanismos de mercado. Já o regime público ficou substancialmente marcado pelas obrigações de continuidade e universalidade em sua prestação.
49 Sobre o pensamento tópico-sistemático conferir: FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 116-137. Aliás, o livro Direito administrativo em evolução da professora Odete Medauar é a prova, por excelência, da adequação de uma metodologia que combina a teoria tópica e a teoria dos sistemas.
50Os teóricos do Direito administrativo pensam as noções de serviço público e de interesse público em uma dimensão semântica da linguagem. Nesse sentido, como a legislação, nem a Constituição contêm um conceito ou a noção exata do que seja propriamente o interesse público ou o serviço público, os teóricos propõem significados para a respectiva expressão lingüística. Ocorre que essa é uma das dimensões da reflexão, porém não a única, pois o intérprete tem que – a fim de obter uma dimensão global do fenômeno – refletir sobre a dimensão pragmática do discurso em torno das respectivas noções.
51 No Brasil, o setor de comunicação social é uma das melhores provas de que há muito ainda por se fazer no campo do direito administrativo. Com efeito, há todo um bloco de normatividade (constitucional e infraconstitucional) que vincula os agentes econômicos que participam do setor de comunicação social, em particular as emissoras de radiodifusão de sons e de imagens. Apesar disso, a doutrina e a jurisprudência, salvo algumas honrosas exceções, pouco têm desenvolvido tal normatividade em prol da concretização dos direitos fundamentais e quanto à investigação do regime peculiar do setor.
52 É inseparável a questão da difusão do conhecimento com um meio para se atingir o desenvolvimento econômico e social do país mediante uma adequada regulação do setor de radiodifusão. Sobre o assunto, conferir: FARACO, Alexandre Ditzel. Difusão do conhecimento e desenvolvimento: a regulação do setor de radiodifusão.In Regulação e Desenvolvimento (Calixto Salomão Filho – coordenação). São Paulo: Malheiros, p. 87-123.
ERICSON MEISTER SCORSIM.
Advogado. Mestre em Direito do Estado pela UFPR.
Doutorando em Direito pela USP
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