=
O Brasil é um país de contrastes, possuindo dimensões de Primeiro e Terceiro Mundo[1], no entanto, essa dicotomia representa uma visão excludente; uma qualificação que não considera o mundo como um só; que existe uma única humanidade, ou seja, que todos os povos coexistem no mundo apesar de suas diferenças. Tal visão representa uma ideologia, aquela dos países desenvolvidos que foi propagada em determinada época. Hoje, inclusive os países são diferenciados em países desenvolvidos, países em desenvolvimento e países menos desenvolvidos.
A par dessa ideologia, há uma nova ideologia no âmbito da sociedade internacional que respeita as desigualdades econômicas, sociais e culturais entre os países. Uma linha de pensamento, cristalizada, aliás, em instituições e procedimentos internacionais, que advoga o apoio aos países não-desenvolvidos em busca de seu desenvolvimento.
Mas, ao lado dessa ideologia de respeito às diferenças e à autodeterminação dos povos, bem como do papel ativo do estado no desenvolvimento econômico e social, permanece ainda a ideologia neoliberal que advoga o mercado como o supremo garantidor da paz e do bem-estar social. Essas duas ideologias estão presentes na mentalidade daqueles que participam do cenário internacional.
Como um dos direitos de quarta geração, surge o direito ao desenvolvimento reconhecido formalmente mediante Declaração da Assembléia-Geral da ONU. Tal direito surge no contexto da emergência de uma Nova Ordem Econômica Internacional, com a presença de diversos atores no cenário internacional, com diferentes pesos econômicos, resultante da pressão dos países menos desenvolvidos pela adoção de mecanismos de cooperação no âmbito de organizações internacionais[2].
Dentre os mecanismos para a concretização do direito ao desenvolvimento das nações há a cooperação internacional entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Originariamente, o eixo de cooperação internacional desenvolveu-se no âmbito norte-sul do globo terrestre. Atualmente, a cooperação internacional estende-se para o âmbito sul-sul, ou seja, a construção e a consolidação das relações econômicas internacionais se dá entre países em desenvolvimento e países menos desenvolvidos[3].
A cooperação internacional está cristalizada no âmbito das organizações internacionais, sendo que a adesão dos países às organizações internacionais produz uma série de vínculos culturais, políticos, jurídicos e econômicos. Tais vínculos propiciam a aproximação entre os países na órbita da comunidade internacional, ora em movimentos de aproximação, ora em movimentos de afastamento.
Nesse contexto, o Brasil é uma potência média de escala continental no cenário mundial, com influência no âmbito regional, em particular na América Latina[4]. A sua posição internacional é importante se levar em consideração o nível de seu comércio exterior, porém frágil analisando-se o perfil dos investimentos e absorção de tecnologia. O desafio brasileiro de desenvolvimento econômico e social, mediante a inserção na economia mundial, segundo Celso Lafer, consiste em uma espécie de paradoxo; “o mundo é hoje mais importante estrategicamente para o Brasil do que o Brasil é relevante estrategicamente para o mundo”. Tal afirmação é por demais dura com a atual realidade. Ao que parece, tal desafio, em termos de estratégica política internacional, consiste em o Brasil definir seus rumos considerando o espaço internacional, não como uma totalidade fechada, mas como uma pluralidade de diferenças; pensar o mundo mediante a defesa dos interesses de seu povo, garantindo a participação efetiva na discussão de nosso projeto de país.
Em 1948, foi criada a Organização Européia para a Cooperação Econômica (OECE) com o objetivo de implementar o Plano Marshall que havia sido criado pelos Estados Unidos da América do Norte, com a ajuda do Canadá, para a reconstrução da Europa no pós-guerra. Tal plano estabelecia os mecanismos de financiamento de importações essenciais buscando o aumento do crescimento econômico e o posterior aumento do nível de consumo das populações da Europa Ocidental, o que incluía o aumento rápido da produção em setores chaves da economia tais como: agricultura, transportes e siderurgia. Igualmente, previa a liberalização comercial a fim de ampliar o comércio intra-europeu com um regime de pagamentos multilaterais[5].
A principal contribuição da OECE foi a consolidação de mecanismos de cooperação internacional e de interdependência a fim de propiciar o desenvolvimento econômico na Europa mediante a reconstrução do mercado europeu, servindo também como um fator de neutralização da influência soviética na região. De fato, após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América do Norte tornou-se um dos países hegemônicos no globo terrestre e a seu lado estava a ex-União Soviética. Assim, para minimizar a influência soviética não havia espaço para qualquer atitude isolacionista por parte da política externa norte-americana.
Além disso, com a queda do regime comunista da ex-União Soviética, o regime capitalista tornou-se o modelo econômico hegemônico no globo terrestre, razão pela qual inaugurou-se uma nova economia mundial e um ciclo de pressão por parte dos países ricos de abertura dos mercados dos países em desenvolvimento.
O presente trabalho pretende apresentar a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento – OCDE –a sua criação e seus objetivos, a sua estrutura orgânica, o seu processo decisório e os respectivos atos normativos, a participação do Brasil e a perspectiva de entrada definitiva no âmbito da organização, e em particular será abordado o problema das restrições à liberdade de desenvolvimento, a partir da análise do caso dos subsídios brasileiros dados ao financiamento das exportações de aeronaves, fabricadas pela Embraer, julgado pela OMC em controvérsia movida pelo Canadá.
2. A OCDE
2.1. A criação e os objetivos
Em 1961, foi aprovada a Convenção de Constituição da OCDE[6], após o que, uma vez estruturada a economia européia e, portanto, cumprido o objetivo originário da OECE, os países europeus sentiram, no final da década de 1950, que a preservação das conquistas da execução do Plano Marshall estava atrelada ao destino do processo de desenvolvimento global. Diante disso, elaboraram a estratégia de, para assegurar a estabilidade do crescimento econômico, atuar de forma coordenada com a construção da ordem econômica internacional e para assegurar a preservação do modelo liberal de economia de mercado. Nesse sentido, a OCDE foi estruturada de forma a ir além dos problemas internos dos países europeus, tornando-se um foro de consulta e coordenação entre os seus países-membros com finalidade de garantir o modelo econômico adotado pelos países desenvolvidos[7].
Dentre seus objetivos, estão: a supressão das barreiras no comércio de bens e de serviços e em matéria de pagamentos, a liberalização dos movimentos de capitais em base multilateral e não-discriminatória, a coordenação da política macroeconômica, elaboração de estatísticas sobre as economias, formulação de estratégias e coordenação de posições, pesquisas e análises de mercado, entre outros[8].
O atendimento de seus objetivos se faz mediante a adoção de mecanismos de persuasão e não de coerção. O trabalho da OCDE, mediante a atuação de seus Comitês, se faz com a construção de consenso entre os países-membros e não por métodos de confrontação, típicos de foros negociadores[9].
Como explica Denis Fontes de Souza Pinto:
“A origem da OCDE foi decorrente do interesse de reforçar a cooperação entre os países desenvolvidos de economia de mercado, confrontados com os efeitos da interdependência e do desejo de impor uma direção liberal ao desenvolvimento da economia mundial. Ocorreu em momento no qual um maior número de atores na cena internacional, em decorrência do processo de descolonização, acentuava a heterogeneidade em nível mundial, o que tornava, ainda mais difícil, a cooperação interestatal’[10].
Em síntese, pela Convenção foi criada uma nova pessoa jurídica para atuação no cenário internacional; e, agora, não só dedicada à cooperação internacional, mas também dedicada ao desenvolvimento. Ou seja, em um novo contexto histórico, para além dos mecanismos de cooperação, foram criados mecanismos para a concertação dos interesses dos países-membros da OCDE[11].
E para o cumprimento de seus objetivos, foi criada uma estrutura dotada de centenas de órgãos: comitês, grupos de trabalho, e agências afiliadas. Dentre os quais, destacam-se: o Conselho, o Comitê Executivo, o Conselho Consultivo do Centro de Desenvolvimento, a Secretaria-Geral, Comitês em diversas áreas, existindo ainda agências afiliadas [12].
2.2. A admissão de novos membros
Na década de 1990, com o processo de globalização econômica e com a queda do regime comunista da ex-União Soviética, houve uma abertura da organização para a entrada de novos membros. A entrada do México decorreu da pressão exercida pelos Estados Unidos e pelo Canadá, também interessados na consolidação do NAFTA. Já a entrada dos candidatos do Leste Europeu decorreu dos países europeus já membros da OCDE interessados, por óbvio, nesses novos mercados[13].
A entrada de novos membros tem incrementado o potencial de conflito entre os países e a dificuldade de, na prática, tomar decisões com base no consenso. Os países entrantes não compartilham, necessariamente, da mesma ideologia dos países tradicionais que pertencem à OCDE.
A entrada definitiva passa, em primeiro lugar, pela participação no âmbito dos Comitês. Com efeito, o processo de entrada é gradual e inicia-se pela observação da metodologia dos trabalhos da OCDE. Com isso, inicia-se um processo de troca de informações e experiências entre os países interessados[14].
Em regra, os critérios para a entrada definitiva de um país na OCDE são os seguintes: adoção da democracia pluralista, respeito aos direitos humanos e o compromisso com a liberalização econômica, a assistência ao desenvolvimento, ser membro da OMC e peso relativo na economia internacional[15].
Em razão da entrada dos novos membros, discutiu-se essas “admissões políticas”. Postula-se a adoção de critérios objetivos voltados a destacar a modernização e o desenvolvimento socioeconômico do país candidato, qualificado como “ator importante no cenário internacional” e a existência de “interesse recíproco”[16].
2.3. Processos de decisão e atos normativos
O processo de decisão é definido pelos países que participam em seus órgãos deliberativos, havendo a hegemonia dos países desenvolvidos. O grupo de países era, originariamente, bastante homogêneo o que facilitava a eficácia do processo de decisão e a coerência das normas produzidas, no entanto, a entrada de novos membros tem dificultado o processo decisório baseado no consenso.
Além desse grupo, participam também países não-membros da OCDE e organismos internacionais na qualidade de observadores em razão do processo de abertura da organização. Em alguns casos, participam também Organizações Não-Governamentais, porém, a capacidade desses grupos influenciarem as decisões adotadas pelos órgãos deliberativos da OCDE é bastante limitada[17].
Segundo a tradição da OCDE e conforme sua Convenção de constituição, o processo de deliberação é orientado pelo consenso entre os países-membros[18]. Nos assuntos em que não há consenso durante o trabalho nos comitês são deixados para a análise do Secretariado. A prioridade reside nas matérias em que haja convergência de posições. Na prática, não existem votações[19].
Como explica Denis Fontes de Souza Pinto:
“O documento final, que reflete o consenso dos membros, não é de cumprimento obrigatório, como aliás a maioria dos atos da Organização. Contém, entretanto, elevado grau de ´cobrança´ da parte dos demais países. A repetição do exame reforça, paulatinamente, esse caráter de constrangimento, de obrigação moral, que finda por levar ao cumprimento. A época de realização dos exames é decidida de comum acordo entre o comitê e o país-membro, com vistas a preservar o caráter ´neutro´ do exame, livre dos constrangimentos da política interna do país examinado. A época de realização dos exames é, entretanto, tema de particular interesse dos países-membros, pela inevitável influência que pode exercer na política interna dos países”[20].
Os atos normativos da OCDE são expressos mediante: decisões internas, decisões propriamente ditas, tratados, recomendações, relatórios e acertos.
As decisões internas ou Resoluções tratam de assuntos administrativos afetos à organização. Como exemplos de decisões internas temos: a criação de comitês, a realização de estudos, a publicação de relatórios, entre outras)[21].
Já as decisões propriamente ditas aplicam-se aos países-membros e destinam-se à adoção de medidas de cooperação de caráter permanente e obrigatório. As decisões propriamente ditas não são acordos internacionais, apesar disso gozam do mesmo valor jurídico. Assim, a violação de uma decisão implica em violação à Convenção de 1961 e ao direito dos tratados. Na hipótese de violação, não há a aplicação de uma sanção jurídica, muito menos há um órgão encarregado para a solução da controvérsia, o que há é um constrangimento político e moral como forma de sanção na OCDE[22]. No plano interno, os países-membros não necessitam ratificar o teor de uma decisão, tal como é exigido de um acordo internacional, mas o país que aceitar uma decisão tem o dever de pô-la em prática em prazo razoável.
Certas decisões podem ser abertas a países não-membros. Nessa hipótese, o país não-membro tem os mesmos direitos e obrigações do país-membro, incluído o direito de participar das reuniões e deliberações dos órgãos subsidiários encarregados de aplicar e revisar as decisões[23].
Por outro lado, os tratados são acordos entre os países-membros ou entre eles e as organizações internacionais e necessitam de ratificação no âmbito do direito interno. No âmbito da OCDE, existem Acordos sobre Privilégios e Imunidades com os Países-Membros, Acordos de Cooperação com a FAO, OMS, GATT/OMC, a Convenção de Assistência Administrativa Recíproca em Matéria Fiscal. Acordo Multilateral de Investimentos. Acordo sobre Corrupção de Funcionários Públicos em Transações Comerciais Internacionais[24].
Os tratados estão abertos a terceiros países-membros que queiram aderir. Tais mecanismos têm base contratual e são acessórios, limitando-se a temas específicos e setoriais; e, em geral, negociados com organismos especializados[25].
As recomendações representam um compromisso facultativo de exteriorização de normas da OCDE, possibilitando ampla adaptação e flexibilidade propicia à volatividade das relações econômicas internacionais. A execução das recomendações é monitorada por mecanismos de acompanhamento e de controle. Em regra, a linguagem adotada é abrangente e genérica, o que permite ampla flexibilidade de adaptação pelos países-membros[26]. As “guidelines” (ou diretrizes) podem ser seguidas por países não-membros, ainda que não haja adesão formal as declarações da OCDE sejam seguidas pelo país[27].
Conforme explicam Adalnio Ganem e Lauro Alves:
“As guidelines são, como o próprio nome sugere, recomendações de caráter voluntário, características da prática crescente da Organização de buscar a definição de modalidades de comportamento econômico internacional mediante instrumentos flexíveis (ou soft law, no jargão da OCDE)[28].
Por outro lado, os acertos (arrangements) representam normas técnicas de conduta em matérias específicas. São normas dotadas de flexibilidade e que não dispõem de caráter vinculatório[29]. Já os avisos e os relatórios destinam-se a auxiliar a interpretação e a aplicação dos atos fundamentais da OCDE, buscando a harmonização no âmbito da legislação interna dos países. Igualmente, há os comentários e os esclarecimentos preparados pelos Comitês voltados também à aplicação e à interpretação dos atos normativos da OCDE[30].
2.4. Participação brasileira
Como dito acima, o Brasil é uma potência média de escala continental no sistema internacional. No contexto histórico, originariamente a luta brasileira foi no sentido da consolidação de seu espaço nacional. Posteriormente, a luta foi em prol de melhor posicionamento no espaço mundial. No século XIX, Rui Barbosa avaliando os resultados da Convenção de Haia discursou:
“Entre os que imperavam na majestade da sua grandeza e os que se encolhiam no receio de sua pequenez, cabia inegavelmente, à grande república da América do Sul um lugar intermédio, tão distante da soberania de uns como da humildade de outros. Era essa posição de meio termo que nos cabia manter, com discrição, com delicadeza e com dignidade”[31].
Em 1991, o Brasil encaminhou uma Missão Exploratória à OCDE objetivando levantar informações, em particular sobre o funcionamento dos órgãos, a fim de avaliar o interesse em sua respectiva participação. Daí em diante, tornou-se membro do Centro de Desenvolvimento, do Comitê do Aço e tem participado como observador dos Comitês de Comércio, Investimentos Internacionais e Empresas Multinacionais, Política de Concorrência, Agricultura, Administração Pública[32].
A participação brasileira nos referidos comitês, na qualidade de observador, atende aos objetivos de observação e de exposição, partindo-se da premissa calcada no diálogo e a defesa dos interesses brasileiros no cenário internacional. Contudo, há ainda muito espaço para a ampliação da participação brasileira, mediante o treinamento e a alocação de recursos humanos capacitados para a observação e discussão dos problemas brasileiros em face da OCDE. A participação do Brasil como membro pleno de um Comitê depende de ratificação do Congresso Nacional haja vista que o país não é membro da OCDE e há a necessidade de contribuir financeiramente para o suporte da organização.
Na prática, a qualidade de observador representa a titularidade de poucos direitos e obrigações. Daí a limitação da participação no processo decisório da OCDE. Dentre os direitos, destacam-se: o direito de participar das reuniões do órgão em que é membro, o direito de fazer uma declaração sobre determinado assunto, direito de debater os assuntos e de trocar informações quando solicitado, direito de expor sua política nacional em determinado setor, direito de acessar as informações e aos dados dos comitês. Não há o direito de inscrever temas nas pautas das reuniões[33].
Ao que parece, a OCDE é favorável à entrada do Brasil, contudo, a adesão é marcada por duas visões conflitantes no âmbito do atual governo. De um lado, o Ministério das Relações Exteriores, o Ministro Celso Amorim, defende uma adesão gradual; e, mais ou menos, simultânea à da China, da Índia e da África do Sul. Tal posição minimiza o constrangimento político de desligamento do “Grupo dos 77”, fato que aconteceu com o México e com a Coréia do Sul. Por outro lado, a visão “nacionalista” defende que a adesão significa o abandono da alternativa de focar o Estado enquanto agente do desenvolvimento e que combate a ideologia neoliberal[34].
De qualquer forma, a admissão de um país na OCDE representa um atestado de seus êxitos no campo da modernização de sua economia. Nesse sentido, a adesão do Brasil como membro pleno ocasionará a eliminação do sistema de preferências que representa uma garantia de acesso de bens e produtos dos países em desenvolvimento em face do mercado dos países desenvolvidos. Tal mecanismo representa a não aplicação do princípio da nação mais favorecida, pois, os bens, produtos e serviços brasileiros haverão de competir em grau de igualdade com os dos países desenvolvidos[35].
3. Restrições à liberdade de desenvolvimento em face do sistema multilateral de comércio e o caso dos subsídios do Brasil à EMBRAER
3.1. A indústria aeronáutica civil de âmbito regional
A Indústria Aeronáutica Civil encontra-se em um mercado altamente concentrado, em especial quando se trata das aeronaves de até 100 assentos. Trata-se de um mercado regional (alcance de menos de 1.600Km) sujeito a intensas barreiras comerciais e não-comerciais. Houve a reestruturação do mercado com a introdução do motor de propulsão a jato, o que ocasionou o declínio da produção por companhias européias e ascensão da Bombardier e da Embraer. Na década de 1990, os lançamentos de novos modelos de aeronaves pela EMBRAER (ERJ-145 e ERJ-135) possibilitou a conquista de 58% do mercado internacional no ano de 1998[36].
3.2. PROEX
O financiamento é fundamental para a conclusão dos negócios de compra de aeronaves no mercado internacional, pois, o custo do financiamento representa um fator-chave para o fechamento dos negócios. Diante desse quadro, o Programa Brasileiro de Financiamento à Exportação – PROEX – representou a oportunidade para que os exportadores pudessem obter diretamente o financiamento ou a equalização da taxa de juros referente ao pagamento da compra. Tal programa prevê o pagamento da diferença entre os encargos a título de juros, que o comprador do produto deve paga, e o efetivo custo do financiamento. Tal diferença é suportada pelo Tesouro Nacional mediante a emissão de títulos públicos que são entregues pelo Banco do Brasil a um agente financeiro. Tais títulos públicos podem ser vendidos livremente no mercado financeiro. A finalidade do PROEX é, portanto, a de reduzir a taxa de juros a ser paga pelos compradores das aeronaves produzidas pela EMBRAER. A aplicação do programa representa uma redução na taxa de juros na ordem de 3.5% a 3.8% a cada ano, representando um subsídio por aeronave de US$3,5milhões[37].
3.3. Disputa Brasil x Canadá na OMC
A reclamação do Canadá sobre o PROEX na OMC argumentou que o referido programa conferia um subsídio vedado pelo Artigo 3 do ASCM, ocasionando a distorção na competição no mercado de aeronaves, razão pela qual pediu a proibição do subsídio pela OMC[38].
Já a defesa do Brasil admitiu que se trata de um subsídio, porém permitido pelas regras da OMC. É justificável o financiamento porque os custos de exportação excedem consideravelmente os custos internacionais de financiamento. Para um país em desenvolvimento, os riscos são maiores, razão pela qual os prêmios com seguros são maiores e com isso o custo de financiamento é maior. Tal fato financeiro configura uma desvantagem na competição no mercado internacional, daí porque o subsídio ao financiamento à exportação de aeronaves está amparado no Artigo 27 do ASCM[39].
3.4. Decisão do Painel da OMC
A posição do Painel da OMC reconheceu que se trata de subsídios conforme o Artigo 3.1. (a) do ASCM. No entanto, o órgão de solução de controvérsias verificou se tais subsídios conferiam uma indevida vantagem material para os exportadores brasileiros. De imediato, não acatou o argumento brasileiro do risco-Brasil. Assim, para verificar se o Brasil tinha o direito de aplicar subsídios às exportações, por se tratar de um país em desenvolvimento; e, portanto, gozar dos benefícios do Artigo 27.4 do ASCM era necessário checar se houve o cumprimento da obrigação de não ter aumentado o nível de subsídios à exportação em determinado período. O Painel considerou como benchmark para a questão do aumento dos subsídios o ano de 1994 (ano da entrada em vigor da Rodada Uruguai), concluindo que houve um substancial aumento dos subsídios à exportação no referido período, violando as regras da OMC. Como decisão final, determinou que o Brasil suspendesse os subsídios do PROEX ao setor aeronáutico no prazo de 90 dias[40].
O Brasil e o Canadá apelaram da decisão do Painel, no entanto, o órgão julgador manteve a primeira decisão acrescentando, ainda, a possibilidade de o Canadá impor retaliações ao Brasil sob a forma de cumprimento de obrigações assumidas no GATT 1994 em valores de até US$233,552,182,3[41].
A decisão da OMC se pautou por uma diretriz da OCDE, no que tange o financiamento das exportações, que prevê o prazo máximo de financiamento de 10 (dez) anos. O PROEX previa um prazo de 15 (quinze) anos. Quer dizer, apesar o Brasil não fazer parte da OCDE acabou sofrendo os efeitos de uma de suas diretrizes em razão de uma questão levantada pela União Européia[42].
3.4. As restrições à liberdade de desenvolvimento do Brasil em face do Sistema Multilateral de Comércio
Percebe-se, portanto, que o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias tem o condão de restringir a política brasileira de desenvolvimento nacional. Houve um contra-ataque do Brasil em relação ao Canadá quanto à figura dos subsídios às exportações. A crescente integração de nosso país no comércio mundial implica em uma mudança de paradigmas, em particular exige-se um novo olhar sobre a questão da soberania brasileira.
Com efeito, modernamente, a soberania torna-se uma noção operacional. Nesse sentido, se o Brasil quer ingressar no cenário internacional e com isso obter vantagens comparativas há de submeter às respectivas restrições, porém, antes desse mesmo ingresso, há de participar das negociações internacionais atento os fundamentos, aos objetivos e aos princípios que regem a República brasileira e suas relações internacionais, catalogados na Constituição de 1988. Igualmente, é preciso que essas negociações internacionais sejam comunicadas à participação da sociedade brasileira, a fim de torná-la legítima.
4. Conclusões
A título de conclusões, podemos apresentar as seguintes:
(i) atualmente, há o condicionamento da liberdade de desenvolvimento do Brasil e de sua política nacional de comércio exterior em face da adesão ao sistema multilateral de comércio;
(ii) como exemplo, a competição no mercado internacional é afetada com a eliminação dos subsídios ao financiamento da exportação de aeronaves da Embraer conferidos pelo Brasil;
(iii) não há propriamente regras jurídicas para a definição de um país em desenvolvimento, porém, a qualificação do país como “em desenvolvimento” implica na aplicação de regras derrogatórias no âmbito da OMC;
(iv) o Brasil, mesmo sem ser membro pleno da OCDE, ficou sujeito a uma de suas diretrizes sobre financiamento às exportações no caso da EMBRAER. Quer dizer, o Brasil, apesar de não estar juridicamente vinculado à norma da OCDE, foi condicionado pelo mecanismo de “peer pressure”;
(v) a experiência brasileira decorrente da participação em Comitês da OCDE tem contribuído para o aperfeiçoamento da política internacional e nacional de nosso país, inclusive com reflexos na legislação interna, contudo, essa participação pode ser ampliada e melhorada;
(vi) a adesão do Brasil como membro pleno ocasionará a eliminação do sistema de preferências que representa uma garantia de acesso de bens e produtos dos países em desenvolvimento em face do mercado dos países em desenvolvidos;
(vii) ao que parece, o atual governo brasileiro adotará gradual procedimento de adesão à OCDE, mediante o alinhamento de políticas externas com a de outros países ingressantes.
19
[1] LAFER, Celso. Perspectivas e possibilidades da inserção internacional do Brasil. Revista Política Externa, vol. 1, nº 3, dezembro de 1992, São Paulo.
[2]Vide VALLEJO, Manuel Diez. Las Organizaciones Internacionales. 10ª edicion. Madrid, Editorial Tecnos, p. 83. BAPTISTA, Luiz Olavo. Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação. In Cooperação Internacional: Estratégia e Gestão. Jacques Marcovitch (organizador). EDUSP, p. 541-2.
[3] VALLEJO, Manuel Diez, obra citada, p. 283.
[4] LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira, p. 76.
[5] PINTO, Denis Fontes de Souza. OCDE: uma visão brasileira. Instituto Rio Branco. Fundação Alexandre de Gusmão. Brasília – DF, 2000, p. 13-18.
[6] Originariamente, a Convenção da OECE foi subscrita pela Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia, Reino Unido, Irlanda do Norte e Estados Unidos da América. Posteriormente, ingressaram Japão (1964), Finlândia (1969), Austrália (1971), Nova Zelândia (1973), México (1994), República Tcheca (1995), Hungria (1996), Polônia (1996) e República da Coréia (1996).
[7] PINTO, Denis, obra citada, p. 18-23.
[8] PINTO, Denis, obra citada, p. 18-20.
[9] Nesse aspecto, a OMC em parte aproxima-se da OCDE no que tange a prática do consenso. No entanto, certas decisões da OMC exigem quorum qualificado (3/4 ou 2/3). A OMC diferencia-se da OCDE à medida que dispõe de um órgão para a solução de controvérsias.
[10] PINTO, Denis, obra citada, p. 20.
[11] Vide Artigos 13 e 19 da Convenção e seu respectivo Segundo Protocolo Suplementar.
[12] Os Comitês da OCDE tratam dos mais vários temas, tais como: Política Econômica, Meio Ambiente, Cooperação para o Desenvolvimento, Administração Pública, Comércio, Assuntos Financeiros, Fiscais e de Empresas, Investimento Internacional e de Empresas Multinacionais (CIME), Corrupção no Âmbito das Transações Comerciais Internacionais, Movimentos de Capitais e de Transações Invisíveis – CMIT, Ciência, Tecnologia e Indústria, Educação, Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais, Alimentação, Agricultura e Pesca, e as Agências Afiliadas: Agência Internacional de Energia e Agência para a Energia Nuclear. Vide Pinto, obra citada, p. 35-40.
[13]A Argentina e a Rússia manifestaram formalmente seu pedido de ingresso na OCDE. No entanto, não houve até o momento a análise e o deferimento do requerimento.
[14] PINTO, Denis. Obra citada, p.82.
[15] PINTO, Denis. Obra citada, p. 83.
[16] PINTO, Denis, obra citada, p. 83-90.
[17] PINTO, Denis, obra citada, p. 78-81.
[18] É o que dispõe a Convenção:
“Article 6
1. Unless the Organization otherwise agrees unanimously for special cases, decisions shall be taken and recommendations shall be made by mutual agreement of all the members”.
[19] PINTO, Denis, obra citada, p. 21.
[20] PINTO, Denis, obra citada, p. 22-23.
[21] PINTO, Denis, obra citada, p. 24-5.
[22] PINTO, Denis, obra citada, p. 24-5.
[23] PINTO, Denis, obra citada, p.27.
[24] PINTO, Denis, obra citada, p. 27-8.
[25]O Brasil assinou a Convenção sobre Corrupção de Funcionários Públicos em Transações Internacionais, participou da discussão do Acordo Multilateral de Investimentos opondo suas reservas.
[26] PINTO, Denis, obra citada, p. 28-9.
[27] O Brasil aderiu formalmente às diretrizes da OCDE sobre empresas multinacionais (2000) e pode vir a aderir, formalmente, à declaração sobre a formação de cartéis.
[28]O Brasil e a OCDE: uma relação profícua. Revista Política Externa, vol. 9. n. 2, setembro/outubro/dezembro de 200, 2000.
[29] PINTO, Denis, obra citada, p. 32-33.
[30] Digno de nota, é o fato de o Brasil adotar os comentários e os esclarecimentos como base para a elaboração de sua legislação em temas específicos, tais como: os comentários do Comitê de Política Fiscal sobre preço de transferência e esclarecimentos sobre práticas de conduta de laboratórios baixados pelo Comitê de Políticas do Meio Ambiente. Vide PINTO, Denis, p. 32-3.
[31] LAFER, Celso, obra citada, p. 74.
[32] PINTO, Denis, obra citada, p. 97-106.
[33] PINTO, Denis, obra citada, p. 80-1.
[34] Brasil quer companhia para entrar na OCDE. Jornal o Estado de São Paulo de 08/08/2004.
[35] O SGPC é resultado das negociações travadas entre os países em desenvolvimento, sendo do trabalho de cooperação do G77 no contexto da Nova Ordem Econômica Internacional. Vide: OLIVEIRA, Silvia Menicucci. Barreiras não tarifárias no comércio internacional e direito ao desenvolvimento, vol. I, Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-graduação em Direito da USP, 2002, p. 194.
[36] STHEMANN, Oliver. Export Subsidies in the regional aircraft sector – the impact of two WTO Panel Rulings against Canada and Brazil, In Journal of World Trade, vol. 33, December 1999, n. 6.
[37] STHEMANN, Oliver, obra citada, p. 103-104.
[38] NASSER, Rabih Ali. O sistema multilateral de comércio e as restrições à liberdade de desenvolvimento – subsídios e TRIMS no SMC. Tese de doutorado apresentada no Curso de Pós-graduação em Direito da USP, p. 196-7.
[39] NASSER, Rabih Ali, obra citada, p.202-3.
[40] NASSER, Rabih Ali, obra citada, p. 206. Além das regras da OMC sobre a aplicação dos subsídios, existem ainda as regras da União Européia. As regras da União Européia, tal como a OMC, proíbem a adoção de subsídios pelos países-membros, no entanto admitem certas exceções. Como explica o professor Humberto Celli os subsídios possuem os seguintes elementos: “(1) uma vantagem; (2) outorgada por um Estado-membro ou por meio de recursos estatais; (3) que favorecem algumas empresas ou a produção de alguns bens; (4) distorcendo ou falseando a concorrência e (5) afetando o comércio entre os Estados-membros”. Conferir: CELLI JÚNIOR, Humberto. Regras de Concorrência no Direito Internacional Moderno. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 1999, p. 180.
[41] NASSER, Rabih Ali, obra citada, p. 207-8.
[42]É o que explica Oliver STHEMANN: “As another important technical issue, the EC disagreed with Brazil as regards the latter´s interpretation of item (k) of the Illustrative List of Export Subsidies of the ASCM. Brazil´s interpretation would turn the ´illustrative´ list into an ´exhaustive´ list of export subsidies. The EC also put forward that the OECD Guidelines on Officially Supported Export Credits satisfy the requirements of para. 2. of item (k) of Annex I of the ASCM. Item (k) therefore creates a ´safe haven´ for Member export credit practices which conform to the OECD Guidelines. Measures which reduce rates below those of the OECD Arrangement fall outside the ´safe haven. They are prohibited under the ASCM if they constitute an export subsidy”, obra citada, p. 108.
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